terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Les aveugles

Leurs yeux, d'où la divine étincelle est partie,
Comme s'ils regardaient au loin, restent levés
Au ciel; on ne les voit jamais vers les pavés
Pencher rêveusement leur tête appesantie.

Ils traversent ainsi le noir illimité,
Ce frère du silence éternel.


Seus olhos, de onde a chama divina
partiu
Como se olhassem ao longe, permanecem erguidos

para o céu; nunca os vemos inclinar sonhadoramente
para o chão a sua pesada cabeça.

Atravessam assim a escuridão ilimitada,
Essa irmã do silêncio eterno.

Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal.



Leitura

Muitas vezes roubava dois exemplares dos livros que ele encomendava e ficava com um para ler, por curiosidade. Passei algumas tarde difíceis e maçadoras por causa disso.
Nunca me senti culpado por abandonar textos que não se deixassem ler com entusiasmo, pois certamente não guardaria nada deles, e segui a intuição de Padilla de não me torturar com o que não viesse facilmente. Afinal, ainda não estava em nenhum ramo particular, apenas a experimentar coisas diversas.

Saul Bellow, As Aventuras de Augie March, Quetzal, 2011

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Revolucionários

Ninguém se deve sentir culpado por nascer no local certo na altura certa. Nós, no Ocidente, fomos uma geração com sorte. Não mudámos o mundo; em vez disso, o mundo, obsequioso, mudou para nós. Tudo parecia possível: ao contrário dos jovens de hoje, nunca duvidámos de que haveria um trabalho interessante para nós e por isso não sentimos a necessidade de desperdiçar o nosso tempo em algo tão degradante como uma «faculdade de gestão». A maioria conseguiu empregos úteis na função pública ou no ensino. Dedicámos a nossa energia a discutir o que estava mal no mundo e como mudá-lo. Protestámos contra as coisas de que não gostávamos e ainda bem que o fizemos. Aos nossos olhos, pelo menos, fomos uma geração revolucionária. É uma pena que tenhamos perdido a revolução.

Tony Judt, O Chalet da Memória, "Revolucionários", Edições 70, Lisboa, 2011 (trad. de Pedro Bernardo).

Carmen XVI

pedicabo ego uos et irrumabo
Aureli pathice et cinaede Furi
qui me ex uersiculis meis putastis
quod sunt molliculi parum pudicum
nam castum esse decet pium poetam
ipsum uersiculos nihil necesse est
qui tum denique habent salem ac leporem
si sunt molliculi ac parum pudici
et quod pruriat incitare possunt
non dico pueris sed his pilosis
qui duros nequeunt mouere lumbos
uos quod milia multa basiorum
legistis male me marem putatis
pedicabo ego uos et irrumabo

***

O cu e a boca vos foderei eu,
Aurélio minha bicha, Fúrio meu paneleiro,
que pelos meus versinhos me julgam,
por tão delicadinhos serem, pouco virtuoso.
É que casto deve ser o bom poeta,
não têm de o ser os seus versinhos,
que além do mais têm picante e graça,
sendo tão delicadinhos e pouco virtuosos,
e se podem provocar comichões,
não digo aos miúdos, mas a estes peludos
que não conseguem mexer as duras piças.
Vocês, porque "muitos milhares de beijos"
me leram, acham que eu sou pouco macho?
O cu e a boca vos foderei eu!

Catulo, carme XVI (tradução de André Simões)

domingo, 29 de janeiro de 2012

The Temperaments

Nine adulteries, 12 liaisons, 64 fornications and something approaching a rape
Rest nightly upon the soul of our delicate friend Florialis,
And yet the man is so quiet and reserved in demeanour
That he passes for both bloodless and sexless.
Bastidides, on the contrary, who both talks and writes of nothing save
copulation,
Has become the father of twins,
But he accomplished this feat at some cost;
He had to be four times cuckold.

Ezra Pound, Personae: Collected Shorter Poems, Faber & Faber, 1990.

"Moneyball" de Benett Miller, 2011

sábado, 28 de janeiro de 2012

V.R. 1819-1901

A Reverie

The mightiest moments pass uncalendared,
111And when the Absolute
In backward Time pronounced the deedful word
1111Whereby all life is stirred:
'Let one be born and throned whose mould shall constitute
The norm of every royal-reckoned attribute,'
11111111No mortal knew or heard.

But in due days the purposed Life outshone -
1111Serene, sagacious, free;
Her waxing seasons bloomed with deeds well done,
1111And the world's heart was won . . .
Yet may the deed of hers most bright in eyes to be
Lie hid from ours - as in the All-One's thought lay she -
1111111Till ripening years have run.


Thomas Hardy, The Complete Poems, Papermac, 1981.

Lesser men

De vez em quando lembro-me daqueles versos de Pound em que ele diz ser um poeta que bebe da vida como homens menores bebem vinho. Lesser men. Durante muito tempo pensei nisto como a negação de uma metafísica para a poesia da parte de Pound, o que é uma ideia, se não evidentemente idiota, pelo menos limitativa. O vinho, que te tolda os sentidos e te entaramela a fala, e que é, como a poesia, uma invenção dos Gregos, aponta afinal para esse contacto com o irracional que é uma das formas por excelência do que quer que possa existir de metafísico - e para mim existe - em usar da vida para escrever. Uma coisa e a outra são a mesma. Uma face da moeda corrobora a outra.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Des analyses très orientales


     "... ça doit être intéressant comme livre. C'est une histoire mystique", poursuit l'homme d'un air sérieux. Et Rassoul continue à maudire son aphonie, son incapacité à raconter qu'en effet Dostoïevski n'est pas un écrivain révolutionnaire et communiste, mais un mystique. Lui l'a répété cent fois, mais ses professeurs russes ne l'admettaient pas ce genre d'analyses très orientales. D'ailleurs, ils n'aimaient pas du tout Dostoïevski. En Russie, il n'était nullement apprécié des communistes. Impossible pour eux d'accepter que la pensée de Dostoïevski dépassait la psychologie de l'homme pour atteindre à la métaphysique... Ce livre est à lire en Afghanistan, un pays autrefois mystique, qui a perdu le sentiment de responsabilité. Rassoul est convaincu que si on l'enseignait ici il n'y aurait pas autant de crimes.
     Quelle âme naïve!
    Oublie Dostoïevski, sauve ta peau, écoute cet homme qui te demande: "Dès que tu auras retrouvé ta voix, viens me voir pour discuter de tout ça, tranquillement."

Atiq Rahimi, Maudit soit Dostoïevski

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O cheiro dos filósofos

- Permita-me, paizinho, que lhe pergunte: o senhor estudou filosofia?
- Ou seja, em que sentido? - perguntei, por minha vez, perplexo.
- Em nenhum sentido especial. Responda-me frontalmente, paizinho, e esqueça os sentidos: estudou ou não filosofia?
- Confesso que tenciono estudá-la, mas...
- Pois, é isso mesmo! - gritou o senhor Bakhtchéev, dando largas à indignação. - Eu, paizinho, já antes de o senhor ter aberto a boca tinha adivinhado que estudou filosofia! A mim ninguém aldraba, não! A três verstás já me cheira a filósofo! Vá lá beijar o seu Fomá Fomitch! Que rico homem especial arranjou! Fu! Raios partam isto tudo! E eu já a pensar que o senhor era um homem bem intencionado!

Dostoiévski, A aldeia de Stepantchikovo e os seus habitantes
(trad. Nina e Filipe Guerra)

C'mon, Shawry

You're innocent when you dream

Perfect joke

Then, turning on his silver crutch
Towards his cousin gods, Hephaestus
Make his nose red, put on lord Nestor's voice,
And asked:

'How can a mortal make God smile?...

Tell him his plans!"

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

De como mariquice a mais perdeu este reino

Preparativos para a partida das tropas portuguesas para Alcácer Quibir, a 14 de Junho de 1578. Transcrevo, a partir da edição de António Sérgio, um excerto de um relato da época, de alguém que viu a mariquice toda (modernizei a ortografia):

Neste Sábado, a 14 de Junho, foi el-Rei dos paços da Ribeira à Sé a benzer a bandeira real. Tanto que amanheceu, começaram a correr os fidalgos para o acompanharem: e parece que à porfia trabalharam por ir cada um mais galante e custoso. Coisa que espantou muitas gentes, ver como iam ricamente vestidos; porque, se a matéria dos vestidos era rica, a obra, feitios e invenções de mais rica sobejava: porque tudo era brocado, tela de ouro e prata, tecidos de seda mui custosos. Os veludos, damascos, todas as mais sedas perderam sua valia, e se alguma tinham era pelos muitos passamanes, rendilhas, espiguilhas, torchados e alamares de ouro, que lhe punham; mas tudo isto era de pouco gasto em comparação dos feitios, que estes destruíram os homens.

Além disto, foi espanto ver a muita pedraria que neste dia saiu; os botões de ouro, as tranças dos chapéus cheias de rubis, diamantes, esmeralda de preço infinito, entresachadas a compasso umas com as outras; os camafeus, medalhas, estampas de feitio singular; as cadeias de ouro grossíssimas aos pescoços, de dez e doze voltas, as couras borladas de ouro com botões de ouro, cristal, pedras, e demais pedraria; os gibões e coletes sobre telilha de ouro, com invenção de corte pique pesponto maravilhoso; os capotes de damasco, setim, chamalote de seda bandados com barras de veludo e torçais de ouro.

[...]

Nem era menos para ver como os fidalgos vestiram todos sua gente, uns de grã, outros de raxa de mescla de tamete, e isto assim a escudeiros e pajens como a lacaios e escravos, cada um de sua libré de suas cores; e alguns os vestiram de calças e gibões de seda da cor da sua librea, com meias de agulha, de seda.

Enfim foram os fidalgos esperar a el-Rei à sala, e de aí desceram com ele até cavalgar. Estava a este tempo o Terreiro do Paço, que é um espaço grande, muito cheio de gente, que não havia poder andar; e além disso era para ver estarem as libreas de dez em dez homens pegando nos cavalos de seus senhores, de cores diferentes todos, com muitas plumas aos pescoços, com borlas de ouro e seda, que faziam o campo esmaltado de diversas boninas.

Anónimo, Relação da jornada.
Edição de António Sérgio (1924), pp. 45-46

Eu faço ideia da cara da moirama de Alcácer ao ver as tranças dos chapéus cheias de rubis, diamantes, esmeralda de preço infinito, entresachadas a compasso umas com as outras; os camafeus, medalhas, estampas de feitio singular. Talvez se tivesse havido menos passamanes, rendilhas, espiguilhas, torchados e alamares de ouro os Filipes nunca cá tivessem posto os pés.

De la magnanimidad del Rey Don Sebastián


[A obra é de 1631, mas transcrevo da edição de 1737, página  255. Conservei a ortografia original, regularizando apenas a acentuação]

Flores de España, Excelencias de Portugal, en que brevemente se trata lo mejor de sus historias, y de todas las del mundo desde su principio hasta nuestros tiempos, y se desubrem muchas cosas nuevas de provecho, y curiosidad
por
Antonio de Sousa de Macedo

 De la Magnanimidad

Movido el Rey Don Sebastián con el exemplo del Emperador Carlos Quinto su aguelo, cuyos hechos siempre leía (como Alexandro los de Achiles, y César los de Alexandro) desde niño se crió con pensamientos de hazerse señor de África en llegando a edad conveniente; y queriendo poner en execución sus intentos, passó en África contra el Xarife Mulei Maluco, y teniendo su pequeño campo a vista del numeroso exército enemigo, le aconsejó Don Duarte de Meneses, Maestro de campo general, y experimentando en la guerra, que mandasse dar de noche en los enemigos, porque sin duda sería cosa de gran provecho; pero el Rey, en cuyo generoso ánimo no cabía sino el deseo de un memorable vencimiento en día claro, y o de noche con ardides, y estratagemas, no acetó el consejo, dando a entender que hazía poco caso de aquella bárbara multitud, y que esperava salir vitorioso rostro a rostro sin otros engaños. La resolución, y esfuerço del Rey fué bien semejante a la de Alexandro, quando estando en campo com Darío reprovó otro parecer, que le dió el Capitán Parmenio; pero el sucesso se vió mucho diferente, por razones que Dios sabe, y el humano entendimiento no alcança.

domingo, 22 de janeiro de 2012

No repeat

Livro do ano

































Estamos em janeiro mas não interessa: isto para mim será livro do ano até 2062*.

*Cálculo optimista da data em que deixarei de calcular coisas que tais.

Word guy



















...I’ve always been a word guy, I like weird words and I like American slang and all that and words that are no longer being used… I like to drag them out of the box and wave them around… this is an interesting one, it’s amazing how in addition to punctuation just a little pause in the wrong place can just completely transform the meaning of something...

Tom Waits, Tom Tales

sábado, 21 de janeiro de 2012

Thran*

O arquivista de ofensas regista com agrado a corrupção da vida, que também a ele riscará do mundo, mas que do mesmo modo e sobretudo apagará todas as vilezas. A universalidade da morte corrige a da estupidez e a da maldade. Mas todo o livro escrito contra a vida, disse Thomas Mann, constitui uma sedução no sentido de a viver; por trás da persistente negação oposta por Thran à maldade das coisas há também um pudico amor pela realidade, pelo riso e pelas ruas que ele media com inabalável precisão. Talvez o amigo sincero da vida não seja o pretendente que a corteja com adulações sentimentais, mas o apaixonado infeliz e rejeitado que se sente expulso dela, escrevia Thran, como um velho móvel fora de moda.

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010.

*Sim, é com trema, mas por questões de ordem técnica perdi o meu.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Thestor

And it was here that Thestor, Enop's boy,
Met that circumstance in nature
Gods call Fate, and on this day, men called Patroclus.
Thestor was not a Trojan.
But when King Priam's satraps came from Troy
And asked Sarpedon, Lycia's Prince, for aid,
and he said, 'Yes', - Thestor, the light in Enop's eye,
Applied to leave his management and fight,
And as he reined away, he called:
'Do not forsake me, O my seven meadows,
Until I conquer Greece!'
Though all he conquered was six foot of sand.

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

Dark gon' catch me here

Sei bem quem afinou esta guitarra.
A mão esquerda do dia à meia-noite.
Um bafo quente de 32-20
Sob uma árvore sem mais do que isso
Enforcada na alma de um pedinte.

Isso ou o seu continente
Ou talvez um continente ao seu lado
Era de noite e é tudo verdade:
A vontade de não ficar calado.

Quem pensam que afinou esta guitarra
Senão brilhodelua água de pântano
Bebidos sem saudade nem segredo?
Esta guitarra afinou-a o medo
Do escuro dos sons do silêncio do claro.

O medo mesmo fala e faz lembrar
Cães do inferno com sangue no faro
O medo que faz a noite ladrar.

Sebastião Belfort Cerqueira, O Pequeno Mal, Edições Sempre-em-Pé, 2011.

You try until you can

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

The creation of life for Zayd on Saturday morning

So let us return to what is contrary to fact. We say that when God (exalted be He!) foreknows that Zayd will be killed Saturday morning, for example, then we [ask], "Would the creation of life for Zayd on Saturday morning be possible or not possible?" The truth is that it is possible and impossible, that is, it is possible by considering it itself if nothing else is taken into account. [The creation of life for Zayd on Saturday morning] is impossible, however, owing to another, not in itself, namely if in addition to [Zayd considered in himself] one takes into account [his being killed] itself and the knowledge itself, since [God's knowledge] would have been turnet into ignorance [if the creation of life for Zayd were to occur on Saturday morning], but it is impossible that [God's knowledge] is turned into ignorance. So it has to become evident that it is possible in itself, but impossible owing to a necessary impossibility in relation do another.

Pub

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

E, sobretudo, não foi um grande homem

O melhor da sua situação era que o seu sentimento de família não era prejudicado pela presença da família. Ela era para José Rui uma auréola e não uma obrigação. Ulisses foi uma lenda porque não teve a família como ministério. Correu perigos, o que lhe bastou como inteligência. E, sobretudo, não foi um grande homem, o que equivale a dizer que fez o que quis e que voltou à pátria por desfastio ou por falta de imaginação.
Agustina Bessa-Luís, Antes do degelo

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

And as he walks

Napoleon's Murat had 50 hats
And 50 plumes each 50 inches high
And 50 uniforms and many more
Than 50 pots of facial mayonnaise
Appropriate to a man with tender skin
He also had 10,000 cavalry,
Split second timing, and contempt for death,

So Providence - had he been born
Later and lowlier - might well have cast Prince Paris.
The centuries have not lied:
Observe the clotted blossom of his hair,
Frost white, frost bright - and beautifully cut,
Queen Aphrodité's favourite Ilian
And though his hands are only archer's hands
(Half Hector's size), his weight half Hector's weight,
He is as tall as Hector (8 foot 9),
And as he walks towards him, note his eyes
As once his father's were: pure sapphire.

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A escrita

A escrita talvez não possa dar verdadeiramente voz à desolação absoluta, ao nada da vida, a esses momentos na qual ela é só vazio, privação, horror. Já o simples facto de se escrever enche de certo modo o vazio, dá-lhe forma, torna comunicável o horror e portanto, ainda que em escassa medida, triunfa sobre tudo isso.

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010

(Vivesse Heródoto neste tempo e teria dado em Claudio Magris.)

domingo, 15 de janeiro de 2012

The River-Merchant's Wife: a Letter

While my hair was still cut straight across my forehead
I played about the front gate, pulling flowers.
You came by on bamboo stilts, playing horse,
You walked about my seat, playing with blue plums.
And we went on living in the village of Chōkan:
Two small people, without dislike or suspicion.

At fourteen I married My Lord you.
I never laughed, being bashful.
Lowering my head, I looked at the wall.
Called to, a thousand times, I never looked back.

At fifteen I stopped scowling,
I desired my dust to be mingled with yours
Forever and forever and forever.
Why should I climb the look out?

At sixteen you departed
You went into far Ku-tō-en, by the river of swirling eddies,
And you have been gone five months.
The monkeys make sorrowful noise overhead.

You dragged your feet when you went out.
By the gate now, the moss is grown, the different mosses,
Too deep to clear them away!
The leaves fall early this autumn, in wind.
The paired butterflies are already yellow with August
Over the grass in the West garden;
They hurt me. I grow older.
If you are coming down through the narrows of the river Kiang,
Please let me know beforehand,
And I will come out to meet you
aaaaaaaaaAs far as Chō-fū-Sa.

Ezra Pound, Cathay, 1915.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Hochgobernitz

(Segundo Thomas Bernhard)

os primeiros assomos de loucura
trazem a destruição dos campos todos.
no traço inculto das coutadas
mingua a vida
repousam as alfaias

dos quartos vazios de gente
das terras vazias de tudo
sobram apenas muralhas
(ninguém se lembra)

há um prenúncio de tragédia
capaz de vergar os dias
aos trabalhos dolorosos

é o triunfo das gerações
sobre a antiga casa paterna
somente um reflexo de luz
um declínio inteiro

quando saio do quarto onde moro
e venho às muralhas
lembrar-me das coisas
reparo que as chuvas de inverno
vieram aqui para ficar

João Miguel Henriques, Isso Passa, Edições Artefacto, Dezembro de 2011.

Fica a nota de que este livro de João Miguel Henriques é apresentado daqui a pouco na SI Guilherme Cossoul, em Santos.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Raskólnikov afegão

À peine Rassoul a-t-il levé la hache pour l'abattre sur la tête de la vieille dame que l'histoire de Crime et Châtiment lui traverse l'esprit. Elle le foudroie. Ses bras tressaillent; ses jambes vacillent. Et la hache lui échappe des mains. Elle fend le crâne de la femme, et s'y enfonce. Sans un cri, la vieille s'écroule sur le tapis rouge et noir. Son voile aux motifs de fleurs de pommier flotte dans l'air avant de choir sur son corps replet de flasque. Elle est secouée de spasmes. Encore un souffle; peut-être deux. Ses yeux écarquillés fixent Rassoul, debout au milieu de la pièce, l'haleine suspendue, plus livide qu'un cadavre.
 Atiq Rahimi, Maudit soit Dostoïevski, 2011

Hart Crane

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Meet Stephen Joyce

He warned the National Library of Ireland that a planned display of his grandfather’s manuscripts violated his copyright. (The Irish Senate passed an emergency amendment to thwart him.) His antagonism led the Abbey Theatre to cancel a production of Joyce’s play “Exiles,” and he told Adam Harvey, a performance artist who had simply memorized a portion of “Finnegans Wake” in expectation of reciting it onstage, that he had likely “already infringed” on the estate’s copyright. Harvey later discovered that, under British law, Joyce did not have the right to stop his performance.

Continuar a ler aqui (parece que os direitos para a obra de Joyce, até aqui detidos pelo seu neto, estão prestes a expirar.)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O conhecimento a escorrer como leite

De Ibn Omar (que Deus se compraza com ele).
Diz ele: "Ouvi o Profeta de Deus (a paz e a bênção de Deus sobre ele) dizer:
– Enquanto dormia, foi-me trazida uma taça de leite, e bebi até ver que escorria humidade das minhas unhas. Depois dei o resto a Omar bin al-Khattab.
Disseram:
– Qual a interpretação disto, Profeta de Deus?
Disse ele:
– O conhecimento."

Da recolha de hadīth (ditos de Maomé) compilada por al-Bukhārī (s. IX), a célebre "Ṣaḥīḥ al-Bukhārī" ("Autêntica de al-Bukhārī"). Retirei e traduzi o texto árabe da edição sumarizada. Nesta edição está numerada como hadīth 73, equivalente à 82 do primeiro volume da edição completa. Traduzi literalmente o texto árabe, rejeitando as opções interpretativas, com acrescentos discutíveis, da tradução inglesa apresentada nessa edição. As expressões entre parênteses são fórmulas rituais muçulmanas que se têm de pronunciar pelos crentes, quando se enunciam nomes de profetas ou companheiros do Profeta, e que estão no texto árabe.

Your life

Your life in danger all your life. Never to rise alone
Before the birds have left their nests,
Then ride along through sunlit, silent woods,
Deep snow to spring flowers in a single day,
And then, the sea...
To miss these things,
When things like these are your inheritance,
Is shameful.

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

As cabeças dos sérvios

O germanófilo mais apaixonado de Bela Crkva, que tinha o nome bem pouco alemão de Ben Mates, estava uma vez a berrar na estalagem que queria jogar à bola com as cabeças dos sérvios, mas a mãe da avó Anka, que ia a passar por ali, replicou-lhe tranquilamente: «Entendidos, Mates, hoje vocês connosco, amanhã nós convosco.»

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010

Animated things

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ajax

Nine days.
And on the next, Ajax,
Grim underneath his tan as Rommel after 'Alamein,
Summoned the army to the common sand,
Raised his five-acre voice, and said:

'Fighters!
Hear what my head is saying to my heart:
Have we forgotten to say our prayers?
One thing is sure: the Trojans, or the mice, will finish us
Unless Heaven helps.
We are not short of those who see beyond the facts.
Let them advise. High smoke can make amends.'

He sits.

Our quietude assents.
Ajax is loved. I mean it. He is loved.
Not just for physical magnificence
(The eyelets on his mesh like runway lights)
But this: no Greek - including Thetis' son -
Contains a heart so brave, so resolute, so true,
As this gigantic lord from Salamis.

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

***
É a estrutura daquele verso: «Ajax is loved. I mean it. He is loved.», depois repetida no outro «Contains a heart so brave, so resolute, so true», que demonstra como o ritmo em War Music é vital para os poemas: Ajax is loved - because - he contains a heart... Parece que Wakefield disse a Logue, antes de ele começar a escrever sobre a Ilíada (ou pára-, o sufixo grego, talvez seja melhor conjunção) que os Gregos não eram humanistas, cristãos, sentimentais, eram sobretudo musicais. E Reid notou, mais tarde, na sua introdução ao livro que o primeiro «relato» da Ilíada escrito por Logue trazia a palavra música no título: War Music.
Em Ajax é também a escala imensa: «his five acre voice», «this gigantic lord from Salamis».

I'd rather have a bottle in front of me, than a frontal lobotomy.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Kafka

O escritor não é um pai de família mas um filho, que tem de sair de casa e seguir o seu caminho; é fiel à sua pequena pátria humilhada quando dá testemunho da sua verdade, ou seja, quando sofre até ao fundo a sua opressão e a assume pessoalmente, e quando ao mesmo tempo a transcende, com a dura distância necessária a toda a arte e a toda a experiência libertadora.

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Frequentemente pensava nisto

When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

W. B. Yeats, The Collected Poems of W. B. Yeats, Richard Finneran (ed.), Simon & Schuster, 1996

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A ordem e a morte

        - Éramos só três empregados nesse tempo, meu capitão, lembrou-se o soldado, baixinho, binoculando enternecido o nevoeiro doce do passado. Um velho a quem faltavam três dedos, que estivera preso há muitos anos por bater num polícia e conduzia a camioneta a cair aos pedaços, pulando, em sucessivos terramotos de lata, por todos os buracos das ruas, eu, e um tipo magro que não falava nunca, de esposa internada por ataques no hospital. Depois as coisas melhoraram, comprámos duas furgonetas e metemos onze funcionários, incluindo uma senhora de óculos, constipadíssima, que vinha ao fim da tarde emendar as asneiras da escrita do meu tio, e pôr tudo a limpo num livro de capa preta, encadernado como os dos notários e os das igrejas. A pouco e pouco os dossiers foram diminuindo, a desordem decrescendo, apareceram canetas novas em cima da mesa, um mata-borrão, flores num copo de água, e o velho, assustado com a limpeza, meio tonto como se não reconhecesse o local, bufava de angústia perante aquele insólito exagero de asseio, a suspirar, meu capitão, pelo seu casulo de lixo.
        - Quase não ia a casa nas primeiras semanas, disse-me o tenente-coronel. Tudo tão direitinho, desabitado, sem defeito nenhum, recordava-me, não sei porquê, a morte. Em pequeno com as caveiras e as tíbias e os fantasmas e os corpos estendidos nos caixões do costume: se pensava nisso era sempre um quarto excessivamente arrumado, com os objectos exageradamente no lugar, que aparecia. Ou então a máquina de costura antiga da minha avó, num canto, perto da janela, com um cesto de roupa por coser ao lado, a sombra do candeeiro na parede e uma completa ausência de pessoas. É isso, a ausência das pessoas, entende, que me assusta: o silêncio das praças à noite, sem ninguém, os corredores nos quais os próprios passos caminham, inquietantes, ao nosso encontro, e onde, quando tossimos, a bronquite nos regressa à garganta, desagradável e azeda como um vómito engolido.

António Lobo Antunes, Fado Alexandrino, Publicações D. Quixote, 2007

Our stillness

Our stillness like the stillness
in Atlantis when the big wave came,
The brim-full basins of abandoned docks,
Or Christmas morning by the sea.

Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Marcello

Não ser

Gabava-se, com desprezo, de não ser um empregado, como se isso lhe garantisse uma especial autenticidade e como se as trocas de murros de Hemingway tivessem de ser, a priori, mais poéticas do que as tarefas de escritório despachadas por Kafka.
Utilizar o termo «empregado» como uma injúria não passa de uma vulgaridade banal: pelo menos Pessoa e Svevo teriam acolhido o empregado como um justo atributo do poeta. Este último não se parece com Aquiles ou Diomedes que se enfurecem nos seus carros de guerra, mas antes com Ulisses, que sabe não ser ninguém. A sua epifania é esta revelação da impessoalidade que o dissimula na prolixidade das coisas, como a viagem apaga o viandante no murmúrio do caminho. Kafka e Pessoa viajam até ao fim não de uma noite tenebrosa, mas de uma mediocridade incolor ainda mais inquietante, na qual damos conta de ser apenas um cabide da vida e no fundo da qual pode haver, graças a esta consciência, uma extrema resistência da verdade.

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cristóbal de Morales



Segundo alguns musicólogos, Cristóbal de Morales nasceu faz hoje 500 anos, a 2 de Janeiro de 1512. Pretexto para falar aqui outra vez deste génio da polifonia renascentista. Fica como exemplo o espantoso agnus Dei da extraordinária Missa Mille Regretz. A interpretação aqui recordada é de Jordi Savall, com o Hespèrion XXI e a Capella Reial de Catalunya, mas a minha preferida é a missa integral, pelo Paul McCreesh com os Gabrielli Consort Players. O triunfo da polifonia.

Celan

A condenação platónica da poesia é inaceitável, mas devemos voltar sempre a enfrentá-la. A poesia que pede a si própria apenas a sua salvação corre o risco de imitar, satisfeita, as contradições, as misérias e talvez a banalidade do estado de alma pessoal que, segundo Platão excluem a busca do bem e da verdade. Obviamente, ninguém pode viver hoje o problema como o vivia Platão, mas uma poesia que apenas de si própria se alimenta pode pecar contra a poesia; como as quadras e as estrofes rimadas, também os fragmentos de palavras vacilantes no escuro podem repetir-se e regenerar-se até ao infinito do próprio tormento, transformando-se numa retórica, dilacerada mas não menos retórica por isso. O sacrifício de Celan é deste modo o exorcismo deste perigo. A impossibilidade de confiança impele-o a calar-se e a desaparecer, depois de ter deixado, a eventuais contemporâneos ou vindouros, o seu «manuscrito dentro de uma garrafa». Celan desapareceu na noite, nas águas do Sena, onde procurou a morte. Um seu verso diz «faço luz nas minhas próprias costas»; a poesia é este fulgor que indica o ponto onde ele e os seus versos desapareceram.

Claudio Magris, Danúbio, Miguel Serras Pereira (trad.), Quetzal, 2010

The Thede

"One Middle English word that I wish had survived into Mondern English is thede, "people, nation, country, Gentile nation." Can you imagine how useful hip-hop artists would find it as a rhyme forweedScots kept the word theed a bit longer that the southern Anglic languages, the only citations in the Dictionary of the Scots Language being from the text Golagros and Gawane (about which more can be learned at http://www.bartleby.com/212/0509.htmland then threw the word away too. Thede is the native reflex of the word from which Middle Dutch dūtsch and German deutsch were built."

Fonte aqui.

A dita palavra dará origem possivelmente também à palavra italiana para 'alemão', tedesco, assim como naturalmente o nosso 'teutão/teutónico'.  Wunderbar!

domingo, 1 de janeiro de 2012

Them and [Uz] de Tony Harrison

O dificultoso empenho

Sermão dos Bons Anos
Pe. António Vieira
Pregado em Lisboa, na Capela Real, no dia 1 de Janeiro do ano de 1642

Postquam consummati sunt dies octo, ut circumcideretur puer, vocatum est nomen eius Iesus, quod vocatum est ab angelo, priusquam in utero conciperetur. Luc. 2.1

Em um Mundo tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! Deus, que é autor de todos os bens, os dê a Vossas Reais Majestades felicíssimos (mui altos e mui poderosos Reis e Senhores nossos) com a vida, com a prosperidade, com a conservação e aumento de estados que as esperanças do Mundo publicam, que o bem da Fé Católica deseja, que a Monarquia de Portugal há mister e que eu hoje quisera prometer e ainda assegurar.

Em um Mundo, digo, tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom-dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! E na minha opinião cresce ainda mais esta dificuldade, porque isto de dar bons-anos, entendo-o de diferente maneira do que comummente se pratica no Mundo. Os bons-anos não os dá quem os deseja, senão quem os assegura. A quantos se desejaram nesta vida, a quantos se deram os bons-anos, que os não lograram bons, senão mui infelizes? Segue-se logo, própria e rigorosamente falando, que não dá os bons-anos quem só os deseja, senão quem os faz seguros. Esta é a dificuldade a que me vejo empenhado hoje, que o tempo e o Evangelho fazem ainda maior. Em todo o tempo é dificultoso cousa segurar anos felizes; mas muito mais em tempo de guerras e em tempo de felicidades. Se o dia dos bens é véspera dos males; se para merecer uma desgraça, basta ter sido ditoso, quem fará confiança em glórias presentes, para esperar prosperidades futuras? Se a campanha é uma mesa de jogo onde se ganha e se perde; se as bandeiras vitoriosas mais firmes seguem o vento vário que as meneia, quem se prometerá firmeza na guerra, que derruba muralhas de mármore? E como a guerra e a felicidade são dois acidentes tão vários; como a Fortuna e Marte são dois árbitros do Mundo tão inconstantes, como poderei eu seguramente prometer bons-anos a Portugal, em tempo que o vejo por uma parte com armas nas mãos, por outra com as mãos cheias de felicidade? Se apelo para o Evangelho, também parece que promete ameaças, mais que esperanças; porque nos aparece nele um cometa abrasado e sanguinolento, ut circumcideretur puer, e os cometas desta cor sempre foram fatais aos reinos e formidáveis às monarquias.